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Marcha da Maconha no STF

O Supremo Tribunal Federal deve decidir, na quarta-feira (15/6), se os cidadãos podem organizar marchas com o objetivo de chamar a atenção para o debate em torno da descriminalização do uso de drogas. Foi colocada na pauta de julgamentos da Corte a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 187) ajuizada pela vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat.

A ação foi ajuizada em julho de 2009, quando Deborah ocupava interinamente o cargo de procuradora-geral da República. Na prática, o Supremo irá decidir se organizar as chamadas marchas da maconha, que vêm ganhando cada vez mais espaço no país, é o mesmo que fazer apologia ao uso de drogas. O relator da ação é o decano do tribunal, ministro Celso de Mello.

O debate deve girar em torno de três princípios constitucionais caros à sociedade: o direito de liberdade de reunião, proteção das minorias e a garantia de exercer a livre manifestação do pensamento. O ministro Celso de Mello admitiu dois amici curiae no processo. A Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos (Abesup) e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), que se manifestarão no julgamento.

A vice-procuradora pediu que o Supremo dê interpretação conforme à Constituição ao artigo 287 do Código Penal. A norma prevê pena de detenção de três a seis meses ou multa para quem fizer, “publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime”. Deborah Duprat pede que a interpretação seja feita “de forma a excluir qualquer exegese que possa ensejar a criminalização da defesa da legalização das drogas, ou de qualquer substância entorpecente específica, inclusive através de manifestações e eventos públicos”.

Como amicus curiae, a Abesup pede a ampliação da ação. A associação requer que o Supremo conceda Habeas Corpus de ofício para que seja permitido o cultivo doméstico da maconha e seu uso para fins medicinais e religiosos.

Em seu relatório, o ministro Celso de Mello destaca um dos argumentos de Deborah Duprat para justificar a necessidade da atuação do Supremo: “Nos últimos tempos, diversas decisões judiciais vêm proibindo atos públicos em favor da legalização das drogas, empregando o equivocado argumento de que a defesa desta idéia constituiria apologia de crime”.

O ministro Celso de Mello liberou seu voto para inclusão na pauta do Supremo no dia 12 de maio, nove dias antes de a Polícia Militar de São Paulo ter reprimido com violência a Marcha da Maconha organizada em São Paulo. A manifestação havia sido proibida por decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo a pedido do Ministério Público. Os desembargadores consideraram que o evento se destina a fazer apologia ao uso de drogas.

Com a decisão do Supremo, as controvérsias em torno da marcha serão pacificadas. O STF já decidiu, em ocasiões anteriores, que o direito à manifestação deve ser livre. Em junho de 2007, o tribunal derrubou decreto baixado pelo então governador Joaquim Roriz, que proibia manifestações com a utilização de carros sonoros na Praça dos Três Poderes, na Esplanada dos Ministérios, na Praça do Buriti e nas vias adjacentes.

fonte:

http://www.conjur.com.br/2011-jun-10/supremo-julgar-marcha-maconha-quarta-feira

até onde vai a liberdade de expressão?

Por Congresso em Foco

“O Brasil é um país maluco mesmo. A TV aberta exibe todos os dias a mais evidente apologia ao consumo de álcool, mas a verdadeira apologia é defender a revisão das políticas públicas e questionar o papel do Estado”

Henrique Mogadouro da Cunha*

A atitude da Polícia Militar nos episódios da Marcha da Maconha e da Marcha da Liberdade, realizadas nos últimos dois sábados respectivamente, reflete bem a postura do Estado frente à questão das drogas. Permitindo que os manifestantes marchassem com a condição de que não houvesse qualquer menção a práticas ilegais, como o uso de drogas ilícitas ou o aborto, a PM exprimiu uma das maiores contradições da política proibicionista – idealiza-se um mundo em que não existam o uso de algumas drogas ou a prática do aborto, reprimem-se de maneira simbólica apenas os elos mais fracos de uma rede muito complexa, e o poder público se exime de suas reais responsabilidades.

Nessa “nova” faceta do proibicionismo ignorante, o Estado não apenas diz ao indivíduo o que ele pode ou não fazer com o próprio corpo, mas chega ao ponto de proibir a manifestação pública e pacífica de uma demanda real pela revisão de alguns dispositivos legais. Peço emprestado um argumento do sociólogo Renato Cinco, candidato a deputado estadual no Rio de Janeiro em 2010: se os defensores da adoção da pena de morte fossem às ruas se manifestar, o tratamento dado a eles seria o mesmo? Afinal, até onde eu sei, punir um criminoso com a morte continua sendo ilegal no nosso país.

Como estudante e defensor dessa causa, eu estava presente na Marcha da Maconha para discutir a revisão das políticas públicas sobre drogas. Fui detido, como outros seis manifestantes, e pude desfrutar do carinhoso trato da PM – o colunista Reinaldo Azevedo deveria experimentar ser jogado no chão, chamado de vagabundo, convidado a se sentar no colo de um soldado (e por aí vai), antes de falar com tanta convicção sobre a ação da polícia. Talvez devesse também trabalhar um pouco na rua, sair do escritório, para saber em que consistem as reais ameaças à liberdade de imprensa no Brasil.

Depois de desfrutar de toda a hospitalidade de uma Base Comunitária Móvel, fui levado pela PM ao Distrito Policial e forçado a carregar comigo um cartaz que não me pertencia. Chegando ao Distrito Policial, fui levado à presença de um delegado que, ao contrário dos simpáticos fardados, sabia conversar e tinha respeito à liberdade de expressão. O cartaz que motivara minha detenção era um coqueiro que lembrava uma folha de maconha, e o próprio delegado entendeu que não houve apologia ao crime – nos termos do próprio Boletim de Ocorrência. Tive a comprovação: muito ao contrário do que se costuma dizer, a truculência da polícia não é despreparo, é opção política. Posso, agora, ser processado pelo Estado pelo crime de desobediência. A melhor parte é que tal desobediência se deve, ainda nos termos do B.O., a uma “referência indireta” à maconha, “por meio de uma metáfora”. Raul Seixas disse certa vez: a desobediência é uma virtude necessária à criatividade. Será apologia à metáfora?

Foi curiosa a resposta do governador Geraldo Alckmin quando questionado sobre a ação da Polícia Militar. Ele criticou a ação e reconheceu que houve excessos – ainda bem! –, mas não quis se queimar com o conservadorismo rodoviarista paulistano que o elegeu, e criticou os manifestantes por “impedir o direito de ir e vir” das pessoas. Pois bem, senhor governador, então vamos falar sobre o direito de ir e vir? Aquele direito que vale, quando muito, apenas para os ilustres proprietários de automóveis? Quando muito… Imaginem só a PM descendo o sarrafo nos corredores da Fórmula Indy por atrapalhar o trânsito.

O Brasil é um país maluco mesmo. Um repórter é massacrado pela polícia diante das câmeras, mas a verdadeira ameaça à liberdade de imprensa é sentida no alto dos arranha-céus da Editora Abril. O poder público privatiza o direito de ir e vir, entrega o transporte público nas mãos de concessionárias quase vitalícias, empresta a Marginal Tietê à Fórmula Indy em plena segunda-feira, mas o que atrapalha o trânsito são as manifestações públicas. A TV aberta exibe todos os dias a mais evidente apologia ao consumo de álcool – uma droga com impactos individuais e sociais devastadores –, mas a verdadeira apologia é defender a revisão das políticas públicas e questionar o papel do Estado.

*Estudante de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo

Correio do Brasil